SANTOS DUMONT E A PROFECIA

                                                                                                                
A manifestação de espíritos através de pessoas que dispõem da faculdade de intermediá-la é conhecida no mundo desde tempos remotíssimos. Para não irmos mais longe, analisemos a atuação dessas pessoas entre os Judeus. Esse povo as conhecia por nebi-in, forma plural do vocábulo nabi.

Ao serem os textos hebraicos traduzidos em Grego, essas pessoas receberam o nome de profetas. Os profetas exerceram enorme influência naquele povo, mantendo-o unido, em torno do conhecimento da existência do Deus Único, além de manterem acesa a chama da certeza da vinda do Messias.

Os profetas fizeram sentir a sua presença entre o povo e os reis de Israel por séculos a fio. Existiram os profetas maiores e os menores; aqueles que se notabilizaram pela sua atuação junto aos reis, exortando-os, admoestando-os, orientando-os, e outros, que viviam mais em contato com o povo, como Ágabo, que foi o instrumento de um aviso sobre uma grande fome em todo o mundo, no tempo de Cláudio César (Atos, 11: 27-28). Esse mesmo profeta predisse a prisão de Paulo, pelos Judeus e sua entrega aos gentios (Atos, 21: 10-11). A palavra dos profetas era lembrada constantemente, conforme se verifica no que diz Pedro, referindo-se ao profeta Joel: “... e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos.” (Atos, 2: 17).

Era tão natural o exercício do profetismo entre os Judeus, que Paulo recomendou o desenvolvimento da faculdade de profetizar: “Segui a caridade, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar.” (I Cor, 14: 1). A atuação dos profetas era tão comum, que Paulo fez uma série de recomendações, no sentido de que fossem observados determinados princípios norteadores do exercício do profetismo, a fim de que as mensagens fossem úteis ao esclarecimento das pessoas: “E, se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois, ou quando muito por três, e por sua vez, haja intérprete.” (I Cor, 14: 27). Além disso, dá instruções a fim de que sejam analisadas as mensagens, objetivando evitar o deslumbramento inoperante: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem.”(I Cor, 14: 29).
        
Essa recomendação de Paulo está em perfeita consonância com o que diz João: “Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo.” (I Jo, 4: 1).
        
O exercício do profetismo era também muito comum nos tempos do Cristianismo nascente, mas nem por isso era prática vulgar. Havia princípios éticos a serem observados, como se pode constatar na recomendação contida no “Didaquê”, conforme citado na Enciclopædia Britannica, no verbete “profeta”: “O profeta para ser digno de respeito e acatamento deve ter piedade indubitável e conduta digna do Senhor”.
        
A missão dos profetas, se era fácil e prazerosa entre o povo, era um tanto difícil de ser exercida entre os reis, pois, não raro, contrariava os interesses de soberanos prepotentes. Foi exercida e incentivada, como visto, também nos tempos apostólicos. Mas, por que a partir de certo tempo, passou a ser reprimida? É fácil compreender isso. O profeta, quanto mais identificado com a sua missão, mais fielmente se tornava um porta-voz do Alto, a transmitir orientações e admoestações àqueles que dirigiam o movimento religioso que se formou em torno dos ensinamentos de Jesus. E quanto mais identificado com a sua missão, mais acatado era pelo povo, tornando-se um verdadeiro líder. Essa liderança, com base na humildade e no desapego de bens materiais, contrariava frontalmente os interesses daqueles interessados no poder temporal. Por isso, o profetismo foi, pouco-a-pouco sendo marginalizado, a ponto de, aqueles que intermediavam mensagens espirituais, serem perseguidos e mortos durante toda a Idade Média. Veja-se o exemplo de Joana D’Arc.
        
Com o passar do tempo, o poder religioso foi perdendo força, e a liberdade de pensar e agir foi sendo ampliada. Novamente o profetismo pôde se revelar, conforme se viu, na verdadeira invasão espiritual que ocorreu no século XIX, através de fenômenos que chamaram a atenção do mundo. Em meados desse século, o Espiritismo foi revelado ao mundo, e o foi através do profetismo. Allan Kardec valeu-se de muitos intermediários nos diálogos que manteve com os Espíritos, mas dentre esses se destacam as duas jovens da família Budin, uma de quatorze e outra de dezesseis anos. Ao revisar a obra, valeu-se do concurso de outra jovem, da família Jafet, esta com dezessete anos.
        
Allan Kardec, ao codificar o Espiritismo, preferiu usar o vocábulo latino medium para designar o profeta dos tempos modernos. Hoje esse vocábulo está sendo inserido – às vezes de forma capciosa – em traduções modernas da Bíblia. No “Novo Dicionário da Bíblia” de John Davis Douglas, o verbete aparece de forma razoavelmente correta.
        
Assim como no passado os profetas anunciavam tempos novos, houve no final do século XIX o anúncio de que se operaria uma verdadeira revolução nos meios de transporte em todo o mundo, bem antes do advento do automóvel. Em agosto de 1883, a revista “O Reformador” publicou uma mensagem do espírito Estevam Montgolfier, recebida pelo médium Ernesto de Castro, em Silveiras, cidade do Estado de São Paulo, recebida em 30 de junho de 1876, época em que Santos Dumont contava apenas três anos de idade. Eis o texto:
        
“Vencer o espaço com a velocidade de uma bala de artilharia, em um motor que sirva para conduzir o homem, eis o grande problema que será resolvido dentro de pouco tempo. Esta máquina poderosa de condução, não será uma utopia, não! O Missionário, que traz esse aperfeiçoamento à Terra, já se acha entre vós. O progresso da viação aérea, que tantos prosélitos tem achado e tantas vítimas há feito, não está, portanto, longe de realizar-se.

O aperfeiçoamento de qualquer ciência depende do tempo e do estado da Humanidade para recebê-lo. A locomotiva, esse gigante que avassala os desertos e vence as distâncias, será como um insignificante invento ante o pássaro colossal, que, qual condor dos Andes, percorrerá o espaço, conduzindo em suas soberbas asas os homens de vários continentes.

Os balões, meros exploradores e precursores da admirável invenção, nada, pois, serão perante o belo e portentoso pássaro mecânico. Esse Deus de Bondade e de Misericórdia, que nada concede antes da hora marcada, deixa primeiramente que seus filhos trabalhem em procura da sabedoria, e depois que eles se têm esforçado para descobrir a verdade, aí então Ele lhes envia um raio de Sua divina luz.

Já vêem, ó mortais, que a navegação aérea não será um sonho, não; mas, sim, uma brilhante realidade.
O tempo, que vem próximo, vos dará o conhecimento desse estupendo motor.
Brasil! Tu que foste o berço desta descoberta, serás em breve o país escolhido para demonstrar a força dessa grandiosa máquina aérea. Eis o prognóstico que vos dou, ó brasileiros.

Estevam Montgolfier”

E ainda há aqueles que dizem ter o profetismo sido encerrado com João Batista...

José Passini
uiz de Fora

         Publicado no Reformador – jan. 2004

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